quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Em Cartaz

Por Raphael Dias Nunes

ROMANCE
Com: Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andrea Beltrão, José Wilker // Direção: Guel Arraes
BRA/ 2008, Drama.

Após "O auto da Compadecida" e "Lisbela e o Prisioneiro", Guel Arraes tem como tônica a representação do amor em uma de suas formas mais dramáticas. Baseando seu roteiro dentro de um outro roteiro, do romance "Tristão e Isolda", o diretor monta duas representações deste clássico da literatura mundial: Uma no teatro e outra no cinema. No teatro, seus principais protagonistas (Wagner Moura e Letícia Sabatella) se apaixonam perdidamente, inspirados no amor dramático dos personagens do livro. E como todo bom romance, a trama é recheada de sofrimento e impossibilidades.

A união do casal começa na peça, que é dado por uma visão de direção e atuação. Todas as dificuldades orçamentárias, de locação, patrocínio, etc. também são evidenciadas. A desunião dos protagonistas se dá pela oferta à atriz Ana (Letícia Sabatella) de fama, riqueza e sucesso da televisão, que contrasta com a paixão imprescindível pelo teatro do diretor Pedro (Wágner Moura). Toda essa glamourização televisiva, inclusive, é frequentemente ironizada por Guel Arraes.

A produção faz uma grande homenagem ao teatro, à literatura e ao amor. Recursos metalinguísticos são usados a todo instante. O meta-teatro e a meta-TV foram as cartadas que Arraes encontrou para reverenciar estas artes. No fim, o diretor Pedro dá uma volta no magnata diretor de TV (José Wilker), com um proposital erro de continuidade, o que é uma espécie de "aula de cinema/ mini-série televisiva" ao espectador. Interesante e inteligente.
Um lance de mestre que coroa um filme de final feliz até previsível e despretencioso, porém envolvente do início ao fim.

FELIZ NATAL
Com: Leonardo Medeiros, Darlene Glória e Graziella Moretto // Direção: Selton Mello
BRA/ 2008, Drama, 100 minutos


O primeiro longa-metragem de Selton Mello possui uma pesada dose de melancolia e depressão. Sob uma atmosfera cruel, os problemas viscerais de uma família que já estava em cacos são evidenciados dentro de uma festa de Natal. O título do filme é uma interessante ironia a este "obrigatório" ritual, que se repete mesmo em casos perdidos.
No cardápio, o vício, o porre, a gula, a ira, a sacanagem, a falta de respeito, a podridão total humana e todos os elementos de uma dura realidade do cotidiano das classes médias e baixas no subúrbio. A carência de instrução familiar às bases, contaminam um interminável círculo vicioso.

Na questão familiar, as consequências brutais do rompimento decadente de um núcleo. A mãe, fora de si, entregue ao porre e à insanidade, em atuação grandiosa de Darlene Glória. O pai, um tarado perverso, sofrendo de impotência e incapaz de perdoar um de seus filhos, o Caio (Leonardo Medeiros). Caio, um ex-viciado em cocaína, que ainda sofre de abstinência, está recém saído de uma vida entregue à vagabundagem e às drogas, procura a redenção no casamento e no trabalho em um ferro-velho. Ele recebe uma ajuda financeira também de Théo, seu irmão.

Todos esses problemas chocantes são observados por pequenas crianças inocentes, que também têm papel importantíssimo, por dar a idéia de seres que são produtos do meio em que vivem. Uma triste idéia de continuidade de rumos perdidos. Caio sofrerá muito para mudar de vida e terá de vencer inúmeras dificuldades, tentações e problemas que o puxam cada vez mais para baixo.

Para quem quer ver um filme light, o longa pode até assustar por seu teor. A visão de Selton Mello é válida e real, diante de uma brilhante direção de fotografia. Entretanto, a trilha sonora deixa a desejar e ainda torna-se massante quando se casa com os intermináveis planos-sequência estáticos e monótonos. Tudo isso torna o filme (talvez propositalmente) cada vez mais cansativo. Apesar de não ser perfeito, a tragédia/ degradação humana predominante no fim, dão o tom de uma mensagem bem transmitida pelo diretor.

Para um espectador desprovido de frescuras, é um mal-estar necessário.

2 comentários:

Bia A. Porto disse...

boa resenha! só discordo do peso que vc deu ao fato da família ser suburbana, de classe-média / baixa. creio que o filme escolheu esse núcleo mais por uma questão estética, plástica, mto bem explorada, como vc disse, pela fotografia. essa escolha realça uma visão que o diretor tem de que o natal é uma festa cafona. talvez tb seja um rastro de uma escola rodrigueana na dramaturgia brasileira. mas a classe social e o local não são tão importantes p/ o comportamento das personagens. problemas c/ drogas e, principalmente, alcoolismo "acontecem nas melhores famílias". o que vc chamou de "carência de instrução familiar às bases", na minha opinião, é falta de perspectiva. está diretamente relacionada à educação, mas é mto mais uma questão de valores. tem mto rico c/ esses mesmos valores pobres e tem mto suburbano de cabeça aberta, mais livre.

Alexandre Vasconcellos disse...

É muito, mas muito bom ver o alto nível do post e do comentário...

Já havia lido sobre os dois filmes, mas não tinha ficado com TANTA vontade de vê-los até ler esta resenha do meu amigo Pombo...

Verei-os afim de opinar melhor...