terça-feira, 26 de agosto de 2008

São Paulo – Roteiro Cultural (Parte II)

Por Alexandre Vasconcellos – Enviado especial

Cabe aqui um esclarecimento. A idéia dessa série é mostrar alguns dos pontos e programas não tão óbvios da maior cidade do país. Em breve, falaremos da mesma coisa em nossa cidade natal/ sede, Rio de Janeiro.




TEATRO OFICINA – TRANSCENDENDO A ARTE

Vou tentar falar, da forma mais rápida e palatável possível, de algo que, por mais que se defina, não tem definição absoluta. Não, calma, não é nenhum pseudismo, desses que este espaço tanto combate. É, de fato, uma proposta inovadora. Tão inovadora que já existe há 50 anos e, apesar de colecionar admiradores mundo afora, não encontra similares aonde quer que vá.

O Teatro Oficina Uzyna Uzona, idealizado por ex-alunos de Direito do Largo de São Francisco (USP) em 1958, liderados por José Celso Martinez Corrêa, foi o berço artístico de vários movimentos culturais e políticos desde então, e já contou com alguns dos grandes nomes da dramaturgia brasileira. Gianfrancesco Guarnieri, Francisco Cuoco, Raul Cortês, Giulia Gam, Alexandre Borges, Fernanda Montenegro, Marília Pêra e Marco Naninni, dentre diversos geniais.

A importância histórica do Oficina, em si, já é um atrativo. Em suas encenações, encontraram voz algumas das personagens mais importantes da contracultura desde os anos 60. Logo em seu começo, a filosofia Antropofágica foi adotada, baseada em Oswald de Andrade. Esta apregoa a aglutinação e deglutição de toda e qualquer espécie de produto cultural, do lixo ao luxo, do estrangeirismo ao “brasileiro de raiz”, para, na mistura de tudo, resultar em uma vomitação de algo genuinamente brasileiro, porém, contemporâneo e mundial.

Como alguns já puderam perceber, o Oficina foi o berço do Tropicalismo em seu conceito e execução artística, em especial na formação da linguagem cênica e musical. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e outros contemporâneos falam abertamente da influência de Zé Celso e de seu grupo em sua produção. Zé dirigiu as duas únicas peças que podem ser consideradas como “tropicalistas”, “O Rei da Vela” (1967), de Oswald de Andrade, e “Roda-Viva” (1968), do Chico.

Desde então, não parou de influenciar a todos, da elite à favela. Hoje, por exemplo, trabalha com diversos jovens de classes menos favorecidas. Um projeto que, além de ter fundo social com foco na educação e disseminação da cultura artística, transforma muitos dos assistidos em atores e trabalhadores da trupe, concretizando ali uma verdadeira integração comunitária e inserção social através da arte, onde os mais experientes atores doam seu tempo ao projeto e os “meninos do Bixigão”, como são chamados, em referência ao bairro no qual o Oficina se encontra.

Outra particularidade do Oficina é a sua estrutura física. Em uma antiga oficina industrial, a premiada arquiteta Lina Bo Bardi (MASP, entre outros) concebeu um espaço único no mundo: não existe quase distinção entre público e palco. Tudo é tudo. Tudo junto.

Isso faz com que a peça seja viva, e que a interação entre espectador e ator seja intensa. Muitos dos espectadores participam de partes substanciais da encenação. Os que somente observam, acabam envolvidos por uma linguagem que mistura música, poesia, interpretação e um mix de explorações sensoriais inigualável, sempre com muita sensualidade e até sexualidade, porém, utilizando o corpo como uma metáfora, ou atividade-meio no processo comunicativo-interacional com a platéia. Como diria Zé Celso, “são todos convidados para uma celebração orgyástica da arte, do sexo, da vida!”.

Nos próximos dias 17, 18 e 19 de setembro, será lançado no festival de Porto Alegre a montagem do grupo para “Os Bandidos”, texto de Friederich Schiller, considerado por muitos como um dos mais importantes da história do teatro. Sobre a obra, Nietzsche dizia que, “se tivesse sido escrito antes da existência de Deus, Este nem precisaria ter aparecido”. Soma-se isso ao toque único de Zé Celso e companhia e já basta para que se aguarde mais uma releitura explosiva, bem-humorada e provocante do sempre revolucionário e metódico (sim, na Uzyna Uzona o que impera é o método e o rigor!) Teatro Oficina.

Outra opção imperdível para o visitante da terra da garoa!

Merda! Ou como agora diz Zé Celso, OURO!

EM TEMPO:

Trecho de "O Sertões", montagem em cinco partes, realizada entre 2001 e 2007.

Quer saber mais?

Documentário Teat(r)o Oficina - DVD DNA 50 anos (2001)

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

São Paulo – Roteiro cultural (Parte I)

Por Alexandre Vasconcellos - Enviado especial

São Paulo, a segunda cidade mais populosa do mundo, é, de fato, uma metrópole global. Lá, é possível experimentar grandes porções das principais manifestações culturais do planeta, representadas em restaurantes, teatros, museus, cinemas, centros culturais e, especialmente, pessoas. Mas um dos grandes destaques do roteiro cultural da cidade é algo bem brasileiro, porém, com um tratamento digno dos países mais desenvolvidos.

O Museu da Língua Portuguesa, instalado na tradicional Estação da Luz, na região do antigo centro da cidade, é uma verdadeira ode a nossa língua materna, suas raízes, histórias, manifestações e evoluções. Com um forte apoio do governo do estado e da Fundação Roberto Marinho, o museu, inaugurado em 2006, possui três andares abertos ao público, cada qual com sua função.

No primeiro piso acontecem exposições temáticas, sempre com um tratamento diferenciado sobre um tema importante de nossa língua. Atualmente, a exposição “Mas Este Capítulo Não é Sério”, sobre Machado de Assis, ocupa o espaço, concatenando de forma interessante fragmentos de textos do autor, juntamente com fotos, pinturas, documentos, vídeos e sons que ilustram todas as cercanias do universo de um dos principais ícones da literatura brasileira.

A mostra tem coordenação geral de Ana Helena Curti, arquitetura de Pedro Mendes da Rocha, curadoria de Cacá Machado e Vadim Nikitin e consultoria de José Miguel Wisnik. O título remete a um capítulo de uma de suas principais obras, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. “Com essa exposição, queremos, além de homenagear Machado de Assis, desmistificá-lo sem tirar seu inegável mérito, aproximá-lo do leitor”, diz Antonio Carlos Sartini, superintendente do museu.

No segundo andar, encontra-se uma exposição permanente sobre a Língua Portuguesa em si, dividida em três seções. Em um telão de 1800 metros de largura, toda a extensão da estação, são exibidos vários vídeos sobre a formação e as principais manifestações culturais do nosso idioma, ali tratado como “Português Brasileiro”. No centro, vários totens com palavras, artefatos e computadores representam as principais culturas que incidiram sob o Português Brasileiro. No outro lado, uma linha do tempo traz, desde 700 A.C. até os dias de hoje, os acontecimentos que vieram a moldar a língua portuguesa e a cultura nacional.

No terceiro andar, a cereja do bolo. Em um ambiente multimídia, um espetáculo de imagens, luzes, cores e sons coloca o espectador no centro de um amplo leque de manifestações da cultura brasileira, em um “planetário da Língua”. Da literatura clássica ao cordel, do chorinho ao hip-hop, do teatro à televisão popular. Tendo na palavra sua estrela, como veículo de formação, ação, degustação e modificação das expressões de um povo e suas ramificações. Com roteiro de Antônio Risério e direção de Tadeu Jungle, é narrado por Fernanda Montenegro e conta com a participação de expoentes como Zé Celso Martinez, Maria Bethânia, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Haroldo de Campos, Tom Zé entre muitos outros.

É um passeio imperdível. Não deve em nada aos principais museus do mundo. Tecnologia, refinamento artístico, profundidade cultural e, principalmente, uma linguagem acessível tanto a crianças quanto a adultos, de todas as classes. Mal dá para creditar que a entrada (inteira) custe somente R$ 4,00. Quem entra com certeza se diverte bastante e sai com uma visão diferente de si e do próprio país que o cerca. Além, é claro, de experimentar um programa cultural do mais alto nível, daqueles que você sai com um profundo orgulho de ser brasileiro – e falar português, é claro.


“Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma”
Fernando Pessoa.