quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Comentários sem comentários


foto: blog Máquina de Escrever, do G1

Por Alexandre Vasconcellos

Tem coisas na imprensa que dão dó. Destas, aliás, estão por demais cheios os jornais, sites, blogs noticiosos, revistas, etc. Mas quando há o que se elogiar, elogiemos também!

Um interessante exercício de reflexão sobre cultura pode ser feito a partir de uma simples nota sobre uma conferência literária, mais especificamente, no Fórum das Letras de Ouro Preto (Flop – que, em parceria com o Fórum de Parati, Flip, formam a dupla de quase-onomatopéias mais propensas a trocadilhos da cena cultural-intelectual tupiniquim). A reportagem, em si, é muito boa.

Pois bem. Debatiam, na abertura do Flop, o músico Lobão e o multifacetado Nélson Motta. Do tradicionalmente polêmico Lobão, veio o que se espera: polêmica. Do geralmente apaziguador e tranqüilo Motta, veio o inesperado: polêmica. Enfim, prato cheio para a imprensa.

Segue um trecho da matéria do jornalista e escritor Luciano Trigo, enviado do blog “Máquina de Escrever”, do G1, ao evento:

“Eu acho o Chico Buarque um horror, um equívoco, um chato, um parnasiano. O Olavo Bilac é muito mais moderno que ele. Ele faz uma música anêmica, sem energia, sem vivacidade, parece que precisa tomar soro. A Bossa Nova é a mesma coisa, uma música easy listening, que toca em loja de departamento quando a gente vai comprar uma meia”.

Precisa falar que esta frase é do Lobão?

Você discorda da argumentação do Lobão por ter sido feita por ele? “Quem é ele para falar de Bossa Nova”, alguns dizem.

E esta?

“Tirando Tom, Vinicius e João Gilberto, tudo que veio depois na Bossa Nova foi diluição. A gente sabe que Roberto Menescal, Carlos Lyra etc são músicos de segundo time”.

Proferida por Nelson Motta, ativista do Tropicalismo antropofágico do fim dos anos 60e de tudo que houve de lá para cá. Para alguns, um grande estudioso da cultura brasileira. Para outros, um ufanista.

Qual dos dois está mais certo, pergunto aos colegas chorumélicos? Com qual você concorda?

Você está julgando o que? O que disse o Lobão e o Nelsinho, ou quem o disse?

Muito se fala (inclusive por mim) do nível da produção jornalística e cultural contemporânea. È raso, é pretensioso, porém, pouco ambicioso. Ou é excessivamente saudosista ou é uma roupagem nova de velhos conceitos. Falta o novo. Fácil ouvir isso sobre a arte dos dias de hoje. Já sobre a imprensa, tacar pedras é moleza (e principal mote deste blog). Tem a sensacionalista. Tem a panfletária, partidária, enviesada. Tem a pobre mesmo, sem recursos lingüísticos e técnicos, preguiçosa.

Mas, voltando a matéria da Flop, outro detalhe me salta aos olhos. Como exercício, caro leitor desta lixeira, leia os comentários deste post. Um show de horror! Nem me atenho a resenhar os erros de português, que, em internet, são corriqueiros. Mas a capacidade argumentativa das pessoas é lastimável! E o que mais me assusta (porém, não surpreende): a impressão de que vivemos num mundo carente de cabeças pensantes! Sem falar na falta de respeito pela opinião alheia, seja esta de um artista ou de um outro “comentarista” no post.

Quem é o Lobão ou o Nelsinho para falar da Bossa? E quem é você para falar do Lobão ou do Nelson?

Argumentos como estes iniciam brigas, validam mordaças e ditaduras. As institucionais e as culturais. As explícitas e as cotidianas. As que nossos pais viveram e a que vivemos hoje.

É este o público para o qual a arte e a informação são produzidas? Devemos repensar, então, a qualidade de quem? A arte e o artista são reflexos da sociedade? E a sociedade, é reflexo de quem?


Pensem. O mundo precisa.

3 comentários:

Raphael Dias Nunes disse...

Excelente post, oportuno pela polêmica surgida, principalmente pela reflexão que você levantou.

Bom, vou tentar deixar minhas humildes opiniões.

Acho que o universo musical não é apenas uma questão de preferência, é algo que mexe com paixões pessoais muitas vezes.
Tem gente que ama heavy metal e odeia bossa. Tem gente que ama samba e detesta eletrônico. Já outros preferem música erudita, mas não suportam com veemência o funk.

A música influencia no comportamento, cria tendências e nem todo mundo consegue conciliar todos os estilos pacificamente. É quase como se alguém amasse o Fluminense e odiasse o Vasco.

O nível do comentário que Lobão fez sobre alguns grandes ícones da música brasileira é algo a ser pensado, quando se diz à respeito da qualidade do debate. Lobão tem todo o direito de expor as opiniões dele, do jeito que mais bem entender. Isso não significa que isso seja uma verdade absoluta, é apenas um ponto de vista. Mas a forma que ele se referiu gera revoltas, aflora paixões e discussões de baixo nível, como as que vimos nos comentários.

Eu por exemplo, achei um absurdo o que Lobão proferiu sobre Chico Buarque. Sou suspeito pra falar, amo e admiro o trabalho de Chico, acho genial, sublime. Já passei por momentos maravilhosos em minha vida, enquanto cantei ou toquei numa roda algumas de suas milhares de músicas.
Por saber que esses comentários vieram de alguém como Lobão, até relevei. Sim, faz diferença sim em QUEM profere o comentário, infelizmente.

Já Nelson Motta, não sei bem qual é a dele. Está sendo um tanto hipócrita/ político/ contraditório. Em seu livro "Noites Tropicais", ele BABA O OVO de tudo e todos que vêm da Bossa Nova, chegando até a se tornar uma leitura cansativa. Depois disso, ele se junta com Lobão e PELA O SACO dele também, fazendo comentários que conciliam com a polêmica surgida. Seus comentários preconceituosos e generelizadores sobre "o brasileiro" é algo de enojar também, confesso...

Respondendo à pergunta levantada, acho que julgamos sempre o que foi falado e filtramos por quem isso foi falado. Se eu falasse, por exemplo, que a história do Fluminense é pobre e que é um clube medíocre, merecedor de um rebaixamento para a série D. Muita repercussão e até uma certa baixeza seria gerada. Se fosse o Chico Buarque que dissesse isso, com as mesmas palavras, talvez até alguns tricolores iriam concordar, por respeitar a opinião do músico, compositor e também tricolor.

O debate foi de baixo nível por reflexo de comentários agressivos e sem fundamentação alguma, de ambos os músicos. É um reflexo disso, fato. Mas existe também outras retóricas nessa questão.


Bom, me alonguei demais, o asusnto é extenso, mas acho que a idéia é essa. Espero que tenha conseguido me expressar bem.

Saudações Chorumélicas!

Alexandre Vasconcellos disse...

Amigo Raphael,

Todas as suas assertivas são pertinentes e precisas.

O que me intriga e irrita é a capacidade (ou falta de) das pessoas em se discutir qualquer coisa hoje em dia.

A internet tem um papel fundamental na difusão de conhecimento e na redefinição das interações sociais. Para bem ou para mal.

Eu, que frequento alguns blogs, tenho ficado assustado com o volume com que, em todos, as coisas descambam para a agressividade (compreensível, às vezes) e a falta de capacidade argumentativa e pobreza textual e mental das pessoas...

É muita gente idiota. Mt comentário que denuncia claramente que o cara não foi capaz de decodificar o que o texto falava! Não estou nm falando de "ler nas entrelinhas"...

O Analfabetismo funcional é algo crescente e assustador...e a internet tá expondo isso cada vez mais!

Gabriel Mattos disse...

Alexandrino, execelente texto para debates...

Acho que o ponto principal é a falta de pensamento crítico das pessoas para produção de uma "contra-argumentação" decente.

Como você coloca muito bem, "Quem é o "zezinho da esquina" para rebater o que o Lobão ou o Motta dizem? É aquela história, vamos debater, vamos, traga substância ao debate.

Sem dúvida, o Lobão sempre foi mais conhecido pelas suas declarações bombásticas (no senso comum) do que pela sua música. Contudo, querendo ou não, é um cara inteligente que senta em qualquer debate e não faz feio.

Os exemplos dos comentários expostos no blog do G1 são perfeitos.

Ao mesmo tempo (sendo meio murista agora) acho que o debate não pode se "minimalizar", e falar que não sei quem é um merda ou fulano é músico de segunda classe. Acho que não temos artistas intocáveis, mas temos alguns respeitáveis.

Sempre fui defensor desta tese. Nunca gostei de Beatles, por exemplo, critico e tento estabelecer parâmetros de argumentação cabíveis. Agora, não podemos falar simplesmente que a banda é uma "merda".

É isso....belo texto para debates...

bjs e abs para todoss....